O DANO MORAL POR INSISTENTES LIGAÇÕES DE TELEMARKETING.
- João Luiz Ferreira
- Oct 27, 2021
- 6 min read
"O recebimento de ligações de telemarketing de forma excessiva é uma prática que está em crescente ascensão, cometida pelos bancos e empresas de cobrança de forma desenfreada e irresponsável, causando diversos tipos de constrangimento e dissabores ao consumidor. Quem nunca perdeu a paciência por atender o celular diversas vezes por dia de forma inútil em razão do excesso de ligações de telemarketing ou cobrança? A violação da vida privada configura fato suficiente a ensejar lesão ao patrimônio imaterial, sujeitando o lesado a intolerável constrangimento, hábil a ferir a dignidade; por isso, constitui dano moral indenizável. O Código de Defesa do Consumidor é bastante cirúrgico ao delinear os direitos básicos dos consumidores. No caso em tela, há uma clara violação das normas protetivas do consumidor pelo abuso do direito de cobrança das empresas de telemarketing em realizar diversas ligações em um curto espaço de tempo e no mesmo dia, fazendo com que o consumidor acabe desperdiçando o seu tempo atendendo as ligações de forma inútil. O art. 5º, inciso IV do CDC, dispõe que ao consumidor deve ser dada proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem como a práticas comerciais coercitivas e desleais no fornecimento de produtos e serviços. Nestes termos, o CDC, em seu art. 5º, inciso IV, dispõe que: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; Assim, observa-se que se trata de um direito básico do consumidor a proteção contra práticas abusivas no fornecimento de produtos ou serviços. Nesses termos, resta claro que a realização de ligações de telemarketing ou cobrança de forma excessiva configura abuso de direito cometido pelas empresas, haja vista que excesso de ligações realizadas para oferecer produtos ou serviços ou até mesmo na cobrança de dívidas, extrapola as prerrogativas do fornecedor, violando de forma incisiva direitos básicos do consumidor, lhe causando constrangimentos extrapatrimoniais. Acerca do abuso de direito, o Código Civil é cirúrgico em conceituar o abuso, quando na exegese do seu art. 187 leciona: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A doutrinadora brasileira Maria Helena Diniz também define o Abuso de Direito como sendo o “uso de um poder, direito ou coisa além do permitido ou extrapolando as limitações de um direito, lesando alguém, traz como efeito jurídico o dever de indenizar”. Para Roberto Senise Lisboa, o abuso do direito “é o exercício imoderado de um direito, que causa prejuízo econômico ou moral a outra pessoa”. De acordo com Paulo Nader, “abuso de direito é espécie de ato ilícito, que pressupõe a violação de direito alheio mediante conduta intencional que exorbita o regular exercício de direito subjetivo”. Portanto, o abuso ocorre quando o titular de um direito o exerce afastando-se da finalidade para a qual esse direito foi criado. Assim, resta claro que ainda que exista o débito, a empresa detentora do direito de cobrança, não pode extrapolar tal prerrogativa, sob pena de incorrer em abuso de direito, haja vista que a realização de quantidade absurda de ligações perpetradas ao consumidor, vai de encontro à boa-fé e aos bons costumes. Ato contínuo, considerando a ilegalidade da prática ora vergastada é imperioso ressaltar que se trata de uma cobrança abusiva. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor assevera que: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Nesse sentido, observa-se que o recebimento de ligações e mensagens em quantidades absurdas, com ameaças, coações e constrangimento, violam fortemente o Código de Defesa do Consumidor, tendo em consideração que o próprio CDC dispõe que na cobrança de dívidas o consumidor não poderá ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Ademais e sob qualquer ângulo, no Titulo II, na parte das Infrações Penais do Código de Defesa do Consumidor, é possível depreender que a conduta ora ventilada, além de ser extremamente abusiva e ilegal na esfera cível, também tem fortes implicações da esfera criminal, conforme é possível extrair do art. 71 do CDC: Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. Ato contínuo, está se sedimentando na jurisprudência que o excesso de ligações e mensagens – contra a vontade do consumidor, é passível de indenização por dano moral, levando em consideração que ultrapassa o simples aborrecimento e visando coibir a coerção praticada pelas empresas. Daí tem-se que o tempo útil, cada vez mais escasso devido à modernização e ao desenvolvimento da coletividade, quando indevidamente perdido por consequência da falha na prestação de serviços e até mesmo do descaso ou conveniência de algumas empresas com seus consumidores, deve ser recompensado, reconhecendo-se o denominado "desvio produtivo do consumidor", tese elaborada pelo advogado Marcos Dessaune. Conforme adverte o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho do E. TJRJ: "o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de uma sociedade que não está disposta a suportar abusos". Deste modo, a necessidade cada vez mais premente da sociedade utilizar seu tempo de forma proveitosa, bem como a busca cada vez mais atual por qualidade de vida, somada ao consumo crescente e ao despreparo das empresas para atender às suas demandas, têm levado a jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar infortúnios experimentados por consumidores vítimas de tal desídia, passando a admitir a reparação civil específica para a perda do tempo livre ou útil, apesar de haver ainda alguma resistência de alguns Tribunais. Com base nesse entendimento, a 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve condenação de uma empresa de call center que fez mais de 80 ligações de cobrança à pessoa errada. Além de se abster de realizar as chamadas, a empresa deve reparar o dono da linha telefônica, a título de danos morais, em R$ 5 mil. Em 2019, o autor passou a receber inúmeras ligações relacionadas a uma dívida contraída por uma terceira pessoa, que ele não conhece. Uma gravação eletrônica solicitava o CPF do suposto devedor para dar continuidade à cobrança. O autor enviou e-mail à ré, solicitando o cancelamento das ligações, mas não foi atendido. Nos autos, há comprovação de mais de 80 chamadas indevidas vinculadas ao CNPJ da empresa. Para a relatora, desembargadora Cláudia Grieco Tabosa Pessoa, as inúmeras ligações, de números diversos, provocaram claro constrangimento ao autor, "tolhendo sua tranquilidade, em evidente invasão da esfera privada". "Ao reverso do alegado pela ré, no caso sub judice a hipótese extrapolou o exercício regular do direito, consubstanciando efetivo constrangimento ilegal, que não deve ser admitido, impondo-se o dever de indenizar", completou a relatora. A decisão foi unânime. Neste momento, faz-se oportuno citar a precisa conceituação do dano moral nas palavras do Ilustríssimo professor Nelson Ronsenvald: “O dano moral pode ser conceituado como uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela.” Noutro lado cumpre ressaltar que a responsabilidade civil é baseada em três funções, quais sejam: REPARATÓRIA, PUNITIVA E PRECAUCIONAL. Desse modo, salienta-se que a condenação à indenização a título de danos morais no presente caso faz-se necessária a fim de: a) reparar o dano experimentado pela requerente ante a conduta ilícita das empresas de telemarketing em realizar cobrança abusiva, de forma coercitiva e ilegal; b) prevenir a reincidência e desestimular novas condutas ilícitas como conduta ora vergastada; c) precaver a sociedade de riscos de danos oriundos da reincidência. Ademais, Nelson Ronsenvald e Cristiano Chaves de Farias, em seu livro “Novo Tratado de Responsabilidade Civil”, arrematam que as funções punitivas e precaucional, assumem, exclusivamente, a qualidade de função preventiva, fazendo valer o ditado “mais vale prevenir do que remediar”. Assim, faz-se imperiosa a compensação pelo dano moral pois além de reparar o dano integralmente (sob a égide do princípio da reparação integral) a indenização será acrescida de uma “prevenção de danos” protegendo a incolumidade não só do consumidor lesado, mas também de toda a sociedade civil. Portanto, se você que está lendo este artigo estiver recebendo ligações de telemarketing ou cobrança de forma abusiva, procure o seu advogado para que seja adotada a melhor solução para a cessação das ligações e a devida indenização por danos morais em virtude de todo o constrangimento suportado.
Matheus Iago S Rodrigues Atuação na área Cível, Bancária, Consumerista e Empresarial. Advogado. Bacharel em Direito pela Uninassau - Teresina. Graduando em Gestão Financeira. Colunista de Direito Empresarial do Blog Ambiente Corporativo. Pesquisador Vinculado à Universidade Federal do Piauí - UFPI no grupo de pesquisa "República - Núcleo de estudos sobre Direito e Democracia". FONTE: https://matheus0405.jusbrasil.com.br/artigos/1305278417/o-recebimento-excessivo-de-ligacoes-de-telemarketing-pode-ensejar-indenizacao-por-danos-morais?utm_campaign=newsletter-daily_20211027_11854&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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