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A filiação socioafetiva na perspectiva jurídica brasileira

“Os pais são o contraponto da fragilidade e da insegurança em que está irremediavelmente imersa a criança, com seus medos e desvalias. Os pais são ainda o porto aonde correm os adultos nas crises que o destino lhes propõe e de que nenhuma alma está livre. Mortos, a imagem deles continua a serem evocadas e a cumprirem seu misterioso destino de pensar as feridas do tempo. As ciências e as artes ditas da alma – psicologia, psiquiatria, psicanálise, etc – já insistiram na indispensabilidade de uma figura referencial permanente a partir de cuja intervenção a criança constitui suas estruturas e se afirma em relação ao mundo”. João Batista Vilela.


A família constitui uma organização que está sujeita às mudanças históricas e políticas da humanidade. Embora seja contornada através dos tempos, permanece responsável pela constituição do sujeito e também, pela transmissão de cultura.

O artigo 1.593 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, ampara a filiação socioafetiva na perspectiva do parentesco de outra origem. As famílias apresentam-se de forma plural, fruto do amor e da afetividade, sendo admitida por vários Tribunais do país, no sentido de que a filiação deve formar laços sólidos e sinceros de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica. Elos que são criados pelo princípio da igualdade entre os filhos, amparados pela Constituição e consagrados diante do fenômeno da constitucionalização do direito de família.

O Novo Direito de Família é movido por mudanças de valores nas relações familiares. Coloca a legitimidade da paternidade/maternidade no processo de filiação, em sua dimensão socioafetiva, e suas relações com o ordenamento jurídico. Neste diapasão, estaria a relação afetiva, numa visão moderna, sobrepondo à biológica? De que maneira as consequências destas vias distintas interferem no intelecto da criança? Que influências a posse do estado de filho acarreto a esta relação jurídica?

A procriação natural concebida por um homem e uma mulher é afastada pela real necessidade de preservar o núcleo familiar em que acarretará a presunção de paternidade e maternidade. Não por esse motivo, a legislação civil de 1916 distinguiu os filhos de maneira absolutamente pejorativa, utilizando uma terminologia discriminatória.

Com a Constituição Federal de 1988, enfatizou-se a dignidade da pessoa humana, proibindo qualquer discriminação relativa à filiação, garantindo os mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não da relação de casamento, como também ao vínculo gerado pela adoção.

A filiação encontra aconchego na relação construída no amor, na indicativa expressão do Ministro Luiz Edson Fachin, ao dizer que “na adoção os laços de afeto se visualizam desde logo, sensorialmente, superlativando a base do amor verdadeiro que nutrem entre si pais e filhos”.

O assunto família no Brasil praticamente passou despercebido pelos responsáveis pela elaboração das duas primeiras Constituições nacionais, pois, em 1824, nenhuma referência fazia à família em particular e a segunda apenas passou a reconhecer o casamento civil como o único ato jurídico capaz de constituir família, determinando que sua celebração fosse gratuita. Nada mais disse sobre a constituição de família.

De acordo com o Código Civil de 1916, a “família é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum, ou seja, unidos por laços de sangue. Em sentido estrito, a família representa o grupo formado pelos pais e pelos filhos” 1, unidas entre si pelo matrimônio, pela filiação e pela adoção, incluídos os pais, filhos, avós, sogros, tios, etc. 2 Hoje, porém, a família está caracterizada num mundo duro, um abrigo, uma proteção, um pouco de calor humano, lar onde se sobressaem a solidariedade, a fraternidade, a ajuda mútua, os laços de afeto e o amor.

A contar da Constituição Federal de 1988 e o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), a família não se origina apenas dos laços de sangue e do casamento, como também pela união estável e pela comunidade formada pelos pais e pelos filhos (pai e/ou mãe e filho), denominada família monoparental, unilinear, nuclear, eudemonista ou socioafetiva, não sendo mais a família, mas, sim, seus membros o centro das atenções, na busca da solidariedade, da felicidade, do afeto e na promoção da dignidade da pessoa humana.

Reportando-se a sua origem, os pesquisadores ainda não identificaram o estado inicial da instituição familiar. As ideias defendidas assentam-se em deduções imprecisas, formulada por seus adeptos de conformidade com as suas tendências naturalistas, evolucionistas ou sociológicas 3. Duas teorias são invocadas: a primeira, a matriarcal, asseverando que a família é originária de um estágio inicial de promiscuidade sexual, em que todas as mulheres e homens pertenciam uns aos outros; a segunda, a teoria patriarcal, que nega essa promiscuidade sexual, aduzindo que o pai sempre foi o centro organizacional da família 4.

A evolução pela qual passou, e continua a passar a família, foi dividida em três fases distintas, sendo a primeira a fase pré-industrial, em que imperava a atividade produtiva e a família consumia tudo o que produzia, sendo a casa um centro de produção doméstica. Imperava a chefia autocrática do marido, na proteção, assistência, educação e aprendizado da prole.

Na revolução industrial, a família abandona a atividade produtiva, sendo a atividade doméstica substituída pela produção fabril, com trabalho intenso das mulheres e crianças ao lado dos homens.

Vige, atualmente, a fase do capitalismo avançado, caracterizando-se a família pela busca intensa da satisfação das necessidades dos seus membros (alimentares, sanitárias, educacionais, por exemplo), tendo nítida função de consumo.

O objetivo do bem-estar social se converte em uma necessidade política, todos aspirando saúde, alimentação, repouso, lazer, instrução, condições toleráveis de trabalho e de vida decente sem os controles sociais tradicionais.

A mulher ganhou o mercado de trabalho premida pela necessidade de sobrevivência, incorporando-se à força produtiva e, via de consequência, influindo em situação jurídica, sem que os Códigos abordassem sua não condição de inferioridade.

Ainda quando da origem da família 5, segundo Ainda Maria Loredo Moreira de Souza, os homens viveram nas chamadas hordas promíscuas, relacionando-se sem vínculos civis e sociais. Depois “organizada a sociedade em tribo, a família formou-se em torno da mulher. Admitiu-se a Poliandria e apareceu o matriarcado com o predomínio político da mulher sob a forma de ginecocracia, da qual se costuma citar o episódio das amazonas”. 6 A seguir a autora acrescenta que Maine e Fustel de Coulanges combatem a teoria matriarcal de Morgan et alii, citada por Engels, negando que todas as sociedades tenham se originado da promiscuidade. Admitem que, em algumas tribos, tenha havido e haja poliandria, mas a família surgiu como um fato natural, “com raízes no impulso biológico que uniu originariamente o homem à mulher, onde predominou a figura e que sucedeu a um predomínio inicial da promiscuidade, portanto, da anomia”.

A família não é somente um grupo natural, mas cultural, não se constituindo apenas por um homem, mulheres e filhos, mas, sim, de uma edificação psíquica, em que cada membro ocupa um lugar/função de pai, de mãe, de filho, sem que haja necessidade de vínculo biológico. Prova disso é o fato de que o pai ou a mãe biológica podem ter dificuldade, ou até mesmo não ocupar o lugar de pai ou de mãe, tão necessários (essenciais) à nossa estruturação psíquica e formação como seres humanos.

Caio Mário da Silva Pereira, comentando sobre a teoria da promiscuidade originária da pessoa humana Caio Mário da Silva Pereira, para quem essa situação “é incompatível com a ideia exclusivista do ser humano e até mesmo de muitos irracionais, e contraditória com o desenvolvimento da espécie”, pelo que o autor entende ser mais racional aceitar a família monogâmica como a origem da família, até porque “fato certo e comprovado, este sim, pelos registros históricos, pelos monumentos literários, pelos fragmentos jurídicos, é que a família ocidental viveu largo período sob a forma patriarcal”. 7

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), houve a quebra do patriarcalismo, já que não reside mais no ordenamento jurídico pátrio qualquer desigualdade entre os filhos e os direitos e deveres dos cônjuges ou companheiros. Está instituída a completa igualdade dos cônjuges ou conviventes tanto nas relações pessoais como nas patrimoniais, visto que igualou seus direitos e deveres e também seu exercício na sociedade conjugal ou convencional.

É inegável a importância quem a família tem perante a sociedade e para o Estado, bem como as diversas e complexas relações que lhe são inerentes.

A família é, ao mesmo tempo, fator e reflexo de mudanças sociais. Sua análise em determinado período dá extremamente a noção política, econômica e social de uma nação.

É por esse motivo que a Constituição Federal de 1988 é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores conquistas no Direito de Família, porque demonstra, além da importância do contexto familiar para o constituinte, a evolução por que passou.

A elevação das relações familiares ao texto constitucional, qualifica-se como “constitucionalização do Direito de Família” e representa a prova da modernidade nos contornos da família brasileira contemporânea, em sintonia com idêntico fenômeno em âmbito mundial.

Com a Carta Magna de 1988 e o Código Civil de 2002 a família passou a ser composta não apenas pelo casamento, mas também pela união estável (art. 226, § 3º) e pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, denominada família nuclear, pós-nuclear, unilinear, monoparental, eudemonista ou socioafetiva (art. 226, § 4º).

Diz-se família unilinear aquela em que a criança, desde a sua origem, descende somente de uma linha (biológica ou afetiva), por opção do (a) genitor (a), “normalmente da mãe, como no caso do filho natural, cuja dupla filiação não foi juridicamente estabelecida, a adoção feita por apenas uma pessoa ou o caso de reprodução medicamente assistida de mulher solteira”. 8

Na família nuclear ou pós-nuclear, 9 formada por qualquer dos pais (pai e/ou mãe) e seus descendentes (art. 226, § 4º, da CF), o que interessa é o cumprimento das necessidades pessoais, com a comunhão de sentimentos e de afeto, isto é, de vida e de história, isso porque, “sob a concepção eudemonista da família, não é o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração de felicidade”. 10 Na família nuclear não se considera os outros parentes, como, por exemplo, os irmãos do marido e da esposa, sobrinhos ou sogros, sendo “a noção de lar urbano que, em virtude das condições de vida nas cidades, induz as pessoas à busca da realização pessoal e profissional e ao acesso do conforto...”. 11

O art. 226, § 4º, da Constituição Federal de 1988, engendrou a família, formada por qualquer dos pais e seus descendentes, prescindindo-se, pois, da vida em comum do casal, já que suficiente a existência de prole, matéria que dispensa qualquer regulamentação infraconstitucional. Portanto, basta a comunidade formada pelo pai e/ou mãe e um filho biológico ou sociológico para que haja uma família, não havendo necessidade de os pais serem casados ou conviventes, ou seja, a família não é oriunda do casamento de afeto entre pai e/ou mãe e filho.

Dessa forma, embora tenha havido a substancial redução da unidade familiar, antes numerosa, mas, agora, comunidade formada por apenas um dos pais e filho, o certo é que a família manter-se-á edificada, pois ela demonstrou, em todos os tempos, possuir uma admirável faculdade de adaptar-se às novas coisas e ao novo progresso. A grandeza das nações se funda sobre bons cidadãos e dos soldados fortes.

Contudo, é inegável que todas as espécies de família são faces de uma mesma realidade. A mudança reclamada pela sociedade não ocorreu de maneira separada para cada uma delas. Ao contrário, as diversas maneiras pelas quais homens, mulheres e filhos desenvolviam os laços afetivos faziam parte de uma mesma realidade cercada por características comuns que não suportavam mais a estrutura patriarcal enraizada nos setores conservadores da sociedade pátria e prevista numa legislação que estava em completa desarmonia com a realidade social.

Após analisadas as espécies de família as espécies de família reconhecidas constitucionalmente, percebe-se que as novas espécies de família acolhidas pela Constituição Federal são fruto de uma evolução marcada por características comuns, o que se permite a discriminação de cada uma delas, não obstantes algumas características tenham mais afinidade com o casamento.

Diante da fragmentação das formas de conceber a entidade familiar, dissociada esta do pensamento jurídico de outrora, que só considerava família aquela originada no casamento, muitos são os propagadores do apocalipse familiar.

Tornou-se lugar-comum ouvir que a família está em crise, ou, ainda, que todos os problemas de desordem social se devem ao desregramento da família.

Entretanto, olhando para a família contemporânea e buscando apoio nos elementos que formam nossa realidade cultural, histórica e sociológica, não excluindo a econômica, pode-se constatar que na verdade o núcleo familiar se modificou sensivelmente e, em sentido amplo, deslocou seu centro de constituição do princípio da autoridade para o princípio da compreensão e do amor, que, nos moldes da Constituição brasileira, reflete e preenche o princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro que é o atendimento à promoção da dignidade da pessoa humana.

Depois do advento da nova ordem constitucional não é mais possível se referir à organização familiar, pensando-a como uma estrutura de convivência originada no ato formal do casamento civil e religioso, cumpridora de um papel determinado pela cena social vigente.

Na família codificada de feitio impessoal, a identificação se referia mais à entidade familiar do que ao contexto próprio de cada indivíduo. O sexo tinha a finalidade da procriação, e o reconhecimento da prole estava restrito ao espaço conjugal, pois ligava descendência à transmissão do patrimônio.

A rapidez com que se modificaram as condutas e pautas sociais movidas por influxos e pressões de todas as outras formas de conhecimento trouxe alterações significativas e marcantes na vida privada e no comportamento social dos indivíduos, refletidas, em última instância, no seio familiar. O comportamento social do homem se modificou. A busca da realização e da felicidade pessoal passou a ser a tônica das relações de convivência familiar e social, e essas se tornaram não só mais complexas como também, plurais.

É curioso pensar que a partir do momento que a mulher, antes relegada ao anonimato social e ao papel de coadjuvante familiar, obteve controle sob seu ventre com o uso do anticoncepcional, pôde fitar um novo horizonte e gerar uma nova trajetória para si e para os que a cercam. Ingressou no mercado de trabalho e, obtendo relativa igualdade financeira no meio público, trouxe para a vida privada a igualdade entre os cônjuges e, somado ao homem, que também sofreu influxos de toda ordem, pôde vislumbrar a geração de filhos e a perpetuação de sua linhagem mais como um direito do que como um dever.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira teve o acolhimento legal do que os fatos sociais há muito demonstravam: existem outras formas de organização familiar que não somente aquelas fundadas no casamento.

A partir do artigo 226 e seus parágrafos e do artigo 227, a Constituição Federal inundou o cenário jurídico das relações familiares de um sentido amplo de democracia e de respeito às diferenças. Permitindo reconhecimento legal da união estável e das famílias monoparentais, culminou por elastecer o leque das relações familiares legitimadas, as quais passaram a ser reconhecidas e tuteladas pelo Estado.

A família do Código Civil recebia a tutela legal como instituto jurídico a ser assegurada e perpetuada, dadas as funções que desempenhava no seio da sociedade. Dessa forma, de menos valias tinham as necessidades pessoais dos membros que a compunham, pois a finalidade da permanência da família dava-se por conta dos atributos que lhe eram conferidos. Os seus membros desempenhavam papéis previamente delimitados, que uma vez incorporados definiam previamente os direitos e deveres de cada um. Ocupar o papel e o lugar do pai significava, sob o ponto de vista público, prover e representar a família, ao passo que na esfera privada se refletia na chefia do lar e na consequente imposição de sua vontade e planos sobre a esposa e filhos 12.

As mudanças no comportamento social, a emancipação feminina e o reconhecimento de que os filhos também são sujeitos no seio familiar, tudo isso aliados aos avanços da engenharia genética, fizeram ruir o último mito da velha e decantada família patriarcal, pois se o casamento já não é perpétuo, e a família não é um fim em si mesmo, o sexo não se destina mais unicamente à procriação, sendo esta possível sem aquele.

Entretanto, a família está longe de deixar de ser a célula mater da sociedade, na medida em que é e, acredita-se, sempre será o ponto de partida para o estabelecimento do sujeito e do desenvolvimento de múlti­plas outras relações sociais que vão se estabelecendo ao longo de sua trajetória existencial.

Esse também foi o sentido do texto constitucional ao estabelecer no artigo 226 da Constituição Federal que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Assim dito por Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1999, p. 314):

A Constituição ainda vê na família a base da sociedade. No direito anterior, esta família era a constituída pelo casamento, e, até a Emenda nº 9/77, de vínculo indissolúvel. No direito vigente, não só se apegou à indissolubilidade do vínculo como se equiparou a ela a união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Dessa forma, refletida no texto constitucional, a sociedade reforça a preocupação e o desejo de permanência da família, entretanto, para apreender a nova realidade social, o conceito de família expandiu-se para, na concretização da igualdade, poder acolher a diferença.

A Carta Constitucional, ao romper com o monopólio do casamento tido como única fonte legítima de constituição da família, abriu o sistema jurídico para recepcionar outras formas de organização familiar, calcadas no afeto e na solidariedade, e não na lei, estiveram historicamente excluídas e marginalizadas.

Com o reconhecimento da pluralidade de formas de organização e constituição da família, desnudam-se as circunstâncias de como nascem os direitos e as normas jurídicas, como também se evidenciam espaços de não – direito do modelo de sistema jurídico adotado pelo Estado brasileiro.

Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que a Constituição adotou o "sistema aberto", pois, ainda que tenha abarcado novas formas de família não o fez de forma a incluir todas as uniões afetivas possíveis e já citadas no cenário social. Especificamente no capítulo destinado à família deixou de considerar expressamente as uniões formadas por pares homossexuais, como também não declarou uma tutela típica para outros arranjos familiares, tais como os constituídos por avós e netos, irmãos entre tios e sobrinhos, demonstrando que persistem situações não envolvidas pelo direito positivado, deixando para a jurisprudência e legislação infraconstitucional a incumbência de construí-la pela concretização princípios constitucionais e da aplicação dos direitos fundamentais.

Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana serve como cláusula geral dos direitos de personalidade, porque estes estão intimamente relacionados ao direito de família, na medida em que a personalidade do indivíduo se origina e processa a partir da gestação, do nascimento e relações de troca que ele, sujeito, vai estabelecendo ao longo do seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

A família é a célula mater da sociedade ela seria uma iniciação das pessoas que a compõem, em especial as crianças, seres em desenvolvimento, às normas da sociedade.

Para que o desenvolvimento da personalidade das crianças seja harmonioso faz-se necessário que o ambiente familiar também o seja traduzindo uma atmosfera de crescente progressão educativa.

Toda criança é um ser ainda inofensivo ante as maldades da vida dependendo assim, do acompanhamento de perto dos seus pais atuando sempre em busca do bem estar dos seus rebentos. Os pais são tidos como espelho para seus filhos e, são a partir deles que os filhos menores desenvolvem a sua personalidade e a sua capacidade para melhor lidar com os percalços que a vida proporcionará no futuro.

Tanto a mãe como o pai são importantes para o desenvolvimento dos filhos menores e apesar de tanto livros como artigos seja de jornais ou de revistas enaltecerem a importância da figura materna para o desenvolvimento dos filhos relegando a figura paterna para apenas um papel secundário, ao contrário do que eles pensam e dos que todos dizem ele tem papel de suma importância para o desenvolvimento dos filhos, principalmente se houver dentro da casa uma harmonia no bom viver entre essas duas figuras, o que também irá ser transmitida para as crianças.

Os pais sempre torcem pelos filhos e vibrarão diante da vitória dos mesmos, só que os elogios têm pesos diferentes se sabe que mãe é mãe, é uma coisa inexplicável, um amor imensurável, está sempre tudo perfeito aos olhos dela, nós sempre seremos perfeitos e maravilhosos, um elogio de um pai é diferente tendo em vista que é mais difícil de alcançá-lo logo, a aprovação deles diante de um feito realizado, é uma vitória que não tem preço.

Os pais seriam o espelho para os filhos, seria um exemplo a ser seguido, como quando a gente é criança e diz quando crescer quero ser igual a você, para os meninos, os pais seriam o lugar onde se encontram suas funções como homem, eles incorporam a sua imagem abstraindo o que há de melhor, mas correndo o risco de pegar também os defeitos que são vistos e praticados em casa ou repudiando àqueles que mais causam repulsa a eles, se ele for um pai bom e mantiver um relacionamento estável com a mãe será uma ajuda nas suas escolhas amorosas. Para as meninas seria o primeiro contato que ela tem com universo masculino e dessa forma ela aprenderá a lidar com a figura masculina em sua vida afetiva.

Pai e mãe são figuras que se complementam, logo a ausência paterna traz prejuízos tão grandes como a ausência da figura materna. Quando a criança passa a viver em sociedade a figura paterna exerce grande poder de influência para os filhos menores sendo ele responsável pelo comportamento dos mesmos, estimulando seu desenvolvimento criativo. Essa importância deles se vê na noção de trabalho que eles nos passam, na noção de responsabilidade, disciplina para gerir uma casa provendo o sustento necessário para toda a família, seria ele o provedor da casa, o chefe da família.

Enquanto a mãe seria aquele amor protecionista, aquele sentimento que não quer que não se saia nunca debaixo das suas asas, o pai tende a mostrar a realidade nua e crua da vida, as dificuldades que irão ser encontradas na sociedade, a competição que existe lá fora, sem perder a ternura, mas mostrando do seu jeito sempre a realidade, ele incentiva a se aventurar, a não ter medo e entrar de cara nos desafios, sem medo de cair, pois eles estarão ao lado para ajudar a se levantar, com isso irá ser adquirida confiança e coragem embasando a formação da personalidade e auto - estima da criança tornando-os adultos preparados para a vida sem nunca esquecer do princípio que embasa tudo isso que é a dignidade da pessoa humana.

O que está ocorrendo é que os pais ao separarem das mães tendem a se separar dos filhos o que não devia acontecer tendo em vista que o que foi desfeito foi a união e não a paternidade. Esse vínculo tende a ficar enfraquecido, pois os filhos ficam geralmente em poder das mães e aos pais cabem a provisão alimentar e as visitas que serão estabelecidas.

Todavia essa guarda dos filhos com a mãe é aproveitada pelos pais que a utilizam como desculpa para não mais dar aos seus filhos o amor e o carinho que eles tanto precisam e que tem por direito receber, mas que não recebem, pois os pais entendem que o simples fato de pagar todos os meses a pensão ao fim de cada mês para que sejam pagas as necessidades do filho já é o suficiente ele já fez o seu papel, e isso seria também uma demonstração de afeto e atenção que o pai está tendo para com o filho, seria então uma comparação do filho a um pagamento de uma conta todos os meses que tem como termo final a data que o filho terminar seus estudos e, daí por diante esse filho não mais existe porque já foi feita a sua obrigação.

Isso foi chamado de abandono moral que foi o objeto da lide de grandes ações de dano morais intentadas pelos filhos contra os pais, pois a falta de carinho, atenção, amor também são obrigações dos pais para com os filhos e não apenas a subsistência material, pois não só de dinheiro vive a criança o lado afetivo deve ser trabalhado porque daí é que se forma o desenvolvimento psicológico da criança, seria ela uma plantinha que precisa ser regada de amor todos os dias e sempre cercada de cuidados para que ela se torne uma árvore forte e frondosa que traga muitos frutos no futuro.

No ordenamento jurídico brasileiro há vários dispositivos que demonstram a existência do direito e dever paterno de cuidar e proteger os filhos não apenas materialmente, mas também cuidando do lado psicológico da criança.

Na Convenção sobre os Direitos da Criança adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas foi proclamado em seu artigo 71 que é direito da criança conhecer seus pais e também ser cuidada por eles.

Na Constituição Brasileira, no caput do artigo 227 dispõe ser dever da família assegurar a criança e ao adolescente à convivência no ambiente familiar além de sempre colocá-los em segurança de qualquer tipo de negligência. Já no ECA (Lei 8069/90) dispõe em seu artigo 19 que a criança deve ser criada e educada no seio da família e no seu artigo 22 que é dever dos pais o sustento, a guarda e a educação dos filhos menores.

O Código Civil também traz em seus artigos os deveres dos pais perante os filhos que seria o dever de guarda, de sustento e também educação dos filhos bem como a sua proteção sempre buscando o bem-estar dos menores.

Logo, depois de se vê todas as disposições legais acerca dos deveres dos pais perante os filhos verifica-se a importância da função parental na formação dos pequenos indivíduos, das crianças.

Falando especificamente da figura paterna a jurista belga Bernadete Bawin Legros apud Rodrigo da Cunha Pereira (2002, p. 45) dizia que:

Refletindo sobre essas mudanças no Direito de Família a partir da década de 70 publicou um artigo sob o título “a função paterna” onde considera que essa função comporta três aspectos: a reprodução (função biológica), relação educativa (função psicopedagógica) e a transmissão de um nome e de patrimônio (função social) (capturado em 11/04/06 no www.espaçovital.com.br/artgoluizfelipebrasilhtm-41k)

Depois de verificar todos os deveres que cabem ao pai, todos eles dispostos em lei, a importância que o mesmo é para a criação e desenvolvimento saudável das crianças, vê-se logicamente os transtornos que a ausência paterna poderá trazer para os filhos que seriam uma evidente dor psíquica em razão do abandono do pai, pois uma criança nunca vai entender o porquê do pai tê-lo deixado podendo colocara nele o motivo de ter sido abandonado e um prejuízo à formação do desenvolvimento da criança todos eles decorrentes da falta de afeto, de cuidado, de atenção e interesse por parte do pai ausente, seria aqui a função psico pedagógica que foi atingida.

Em face de todos esses transtornos à vida da criança bem como o não cumprimento de disposições legais que a ele são impostos como deveres legais, deveres esses de assistência imaterial, de proteção que a ele são impostos pelo poder familiar e também tendo em vista, a inquestionável concretização do dano devida a sua conduta omissiva motivado por tudo isso foi que os filhos pleitearam na justiça indenizações em face dos pais ausentes numa tentativa de chamar a atenção dos mesmos para o absurdo que eles estavam fazendo, colocando filhos no mundo e não assumir a responsabilidade tratando-os como simples contas a pagar no final do mês com prazo de término lá pelos 24 anos de idade do filho e daí para frente ele que seguisse a sua vida.

Tem posição favorável aos pedidos de indenização pleiteados pelos filhos a Dra. Giselda Hironaka que diz que:

Tem me sensibilizado, nesta vertente paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar indenização compensatória em face de danos que pais possam causar aos filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral, psíquico, bem como a referência paterna concreta acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social o que por si só é profundamente grave. (capturado em 11/04/2006 em www.espaçovital.com.br/artgoluizfelipebrasil.htm-41k).

Além de posições favoráveis há aqueles que não aceitaram essa inovação jurídica alegando que seria alargada a indústria dos danos morais bem como o que seria o dano moral, seria um incentivo a materializar o afeto além do que, uma atitude como essa não faria um pai se arrepender e buscar uma efetiva aproximação do filho ao contrário faria ficar com mais raiva.

A indenização pleiteada pelos filhos nessas ações não tem como escopo compelir, obrigar ao pai a cumprir seus deveres diante dos filhos, se assim ele quiser melhor, mas ela atende a duas funções seriam elas além da compensatória, a punitiva e a dissuatória (Luiz Felipe Brasil, 2005).

Baseando isso Facchini apud Luiz Felipe Brasil explica a responsabilidade civil dizendo que:

A responsabilidade civil tem como função básica a reparação dos danos materiais ou a compensação dos danos extrapatrimoniais. Entretanto, conforme o mesmo autor outras funções podem ser desempenhadas pelo instituto dentre essas avultam as chamadas funções punitivas e dissuatórias. Pela primeira busca-se punir alguém por alguma conduta praticada, que ofenda gravemente sentimento ético-jurídico prevalente em determinada comunidade. Com a segunda procura-se sinalizar a todos os cidadãos sobre quais condutas a evitar, por serem reprováveis do ponto de vista ético-jurídico.(capturado em 11/04/2006 em www.espaçovital.com.br/artgoluizfelipebrasil.htm-41k).

Assinala Rolf Madaleno (2004, p. 65) acerca da indenização que:

A punição pecuniária pelo dano imaterial tem um caráter nitidamente propedêutico e, portanto, não objetiva propriamente satisfazer a vítima da ofensa, mas sim, castigar o culpado pelo agravo moral e, inclusive, estimular aos demais integrantes da comunidade a cumprirem os deveres éticos impostos pelas relações familiares.(capturado em 11/04/2006 em www.espaçovital.com.br/artgoluizfelipebrasil.htm-41k).

Logo, conclui-se que havendo o dano haverá a indenização, pois como já foi por ora explanado, os deveres do pai não apenas se limitam em subsistência material mas muito além disso, deverá abranger também a subsistência emocional, a psicopedagógica, a assistência geral para o filho e, no momento que um pai se nega a cumprir um papel que a ele foi dado pelo poder familiar, um papel que é irrenunciável, daí surgirá o dano e a partir daqui terá início a entrada do Poder Judiciário para que se tente reverter a situação buscando sempre a justiça, aplicando-se sempre o princípio da dignidade da pessoa humana, como forma de evitar que a vítima sofra as consequências do dano e o agente aja por outras vezes tendo em vista que saiu impune.

É fato que sempre houve dificuldades em se imputar a paternidade ou maternidade a alguém, principalmente a paternidade. Com isso, nas mais diversas legislações do mundo, começaram-se, então, com base no direito romano, a se estabelecer presunções de maternidade e paternidade.

A presunção da paternidade determinou a premissa de quer o marido da mãe seria o pai dos filhos dela concebidos durante o casamento, a qual foi chamada de presunção “pater is est”.

O embasamento do sistema de presunção de paternidade era proteger o instituto da família. Evitava-se, desse modo, que a eventual verdade, ou seja, evitava-se que o marido da mãe, que não fosse o pai do filho por ela concebido durante a constância do matrimônio, acabasse por destruir o casamento. Optou-se, desta maneira, pela paternidade registrada em detrimento de qualquer outra paternidade.

Com a chegada da Constituição Federal de 1988 houve uma grande revolução no instituto do direito de família. Dentre as mudanças radicais ocorridas está à vedação da diferenciação entre filhos, acabando por igualá-los, o que, vale acrescentar, demorou e muito para ser positivado em nosso país. Com isso, todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos e obrigações decorrentes da filiação e, mais, tanto dos filhos em relação aos pais, quanto dos pais com relação aos filhos.

Nas leis posteriores à Carta Maior foram adotados todos os princípios nela instituídos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Dentre essas leis, está a de nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que trouxe, no bojo de seu artigo 27, o direito imprescritível e indisponível aos filhos de pleitearem o reconhecimento de seu verdadeiro estado de filiação.

Restou-se evidente que a relação de filiação não decorre simplesmente do vínculo genético estabelecido entre pai e filho. A filiação, sob o aspecto sociológico, somente se desenvolve por intermédio do convívio entre eles, o que não se dava, evidentemente, com o simples reconhecimento da paternidade, firmado pela autoridade judiciária em umas laudas de papel, por meio de ação judicial, nas letras frias da lei.

Diante disso, emerge na doutrina brasileira, uma nova realidade para se caracterizar a filiação, é a denominada filiação socioafetiva. Baseada não no vínculo genético, mas na relação de amor e afeto existente entre pai e filho, salvaguardada pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Essa nova realidade se encontra resguardada na posse do estado de filho, criada a partir do momento em que a paternidade é estabelecida, principalmente, na relação duradoura de filho e pai que eles mantêm entre si e na forma como o filho é tido na sociedade, o comportamento e atitudes que caracterizarão está inabalável relação.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Christina. A Paternidade Sócioafetiva e a Formação da Personalidade. O Estado e os Estados de Filiação. Revista Jurídica Del Rey, Belo Horizonte : Del Rey/IBDFAM, 2002, n. 8, p. 24, maio 2002. (Número especial).

BARROS, Fernanda Otoni de. Paternidade. Do Direito do Pai: sobre a Paternidade no Ordenamento Jurídico. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre : Síntese/IBDFAM, v. 6, 2000.

BOSCARO, Márcio Antônio. Direito de Filiação. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002.

BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Novos Contornos do Direito de Filiação: a Dimensão Afetiva das Relações Parentais. Revista da AJURIS, Porto Alegre : Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 26, n. 78, p. 193-216, jun. 2000.

BRUNO, Denise Duarte. Família sócioafetiva. Revista Jurídica Del Rey, Belo Horizonte : Del Rey/IBDFAM, n. 8, p. 27, maio 2002.

1 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse de estado de filho – Paternidade socioafetiva. Porto alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 19.

2 FARDIN, Noemia Alves. Concubinato: aspectos sociojurídicos da união estável. 3. ed. Porto Alegre: livraria do Advogado. 1995, p. 17.

3 REBELO, Gabriel Antônio. A família brasileira e o reconhecimento do filho adulterino. Rio de Janeiro: A Manhã, 1943. p. 5.

4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Família não fundada no casamento. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 771. 2000, p. 52.

5 Para ampliar a pesquisa sobre a origem da família, cita-se obras de Georges Duby e Michelle Perrot (História da mulheres) e de Georges Duby e Philipe Áries (História da vida privada). Editora Apontamento.

6 SOUZA, Ainda Maria Loredo Moreira de. Aspectos polêmicos da união estável. 2. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 12.

7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, v, V, 1994, p. 19.

8 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Família não fundada no casamento. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 771, p. 69, 2000.

9 SAMARA, Eni de Mesquita. Família, gênero e mudanças econômicas no Brasil. In: Direito de família, uma abordagem interdisciplinar, Reinaldo Pereira Silva e Jackson Chaves de Azevedo (coords.), São Paulo: LTr, 1999, p. 99, “as últimas estatísticas do IBGE mostram que,no Brasil, predominam as famílias nucleares (75,93%, em 1991), com poucos integrantes, especialmente nas áreas urbanas”.

10 FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992, p. 25.

11 BAUNER, Maria Cláudia Crespo. A monoparentalidade projetada e o direito do filho à biparentalidade. Estudos Jurídicos, São Leopoldo: Unisinos, v. 31, n. 83, p. 140, set./dez. 1998.

12 CC- 1916 – Artigo 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-filiacao-socioafetiva-na-perspectiva-juridica-brasileira/2540847287

 
 
 

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